17.12.08

Call Girl


Quem esperar veneno nesta opinião sobre um dos maiores sucessos na história do cinema português, desengane-se. Call Girl é, sem tirar nem pôr, uma das melhores comédias domésticas de sempre, hilariante como nada que se tenha feito desde os tempos áureos de Vasco Santana e António Silva. Ficamos por aqui.

Uma opinião a sério? Isso já é mais complicado.

Falar a sério sobre Call Girl é difícil como falar a sério sobre aquelas estatuetas de louça em que se puxa um cordelinho e um futebolista ou um fradeco expõem a sua intimidade aos elementos. Mais difícil se tornará se não pudermos usar palavrões. Mais do que os palavrões usados e abusados no próprio filme (esses serão inevitáveis). Em cada duas linhas de diálogo, haverá certamente uma ocorrência de "caralho" ou, em alternativa, de "puta" ou "cabrão". Em cada cinco, não será difícil contabilizar ainda dois derivados de "foder" e um outro palavrão à escolha. Presume-se que estariam no guião, mas tem uma certa graça pensar que foram improvisados pelos actores sérios (a seriedade é algo de muito relativo) que aceitaram participar no flme e assim exprimem a inevitável constatação do esterco em que se viram atolados. Não que os palavrões choquem. Pelo menos, não chocam mais do que a sequência infindável de imbecilidades que vão servindo de banda sonora às boquinhas, olhinhos e projecções de mamilo de Soraia Chaves, que alguém, um dia, sem se saber porquê (mas possivelmente depois de uma noitada tórrida), decidiu que era uma actriz de mérito. Não só não tem qualquer mérito como precisaria de muita coisa para poder aspirar a ser uma actriz, mesmo que má. Precisaria, por exemplo, de abandonar as posturas e trejeitos de quem tenta representar como se posasse para um catálogo de roupa interior. Se o conseguisse fazer, deixar de falar com tom constante de operadora de linha erótica seria um passo relativamente pequeno. No fundo, a senhora limitar-se-á a fazer pela vida (aliás, como a personagem principal do filme) e não se lhe deverá apontar o dedo. Guardem-se os dedos das mãos e dos pés para António-Pedro Vasconcelos e para o desplante de se continuar a armar em herdeiro da nouvelle vague com uma filmografia de mediocridades conscientes e desonestas.

Voltando ao ponto de partida, mantenho que, apesar de tudo, mesmo com o tragicamente inepto argumento policial, Call Girl é o mais hilariante filme português do último meio século, garantindo mais do que uma mão cheia de gargalhadas sonoras. A cena em que a popularucha Maria João Abreu berra repetidas vezes "Ou me fodes ou vais-te embora!" merece ficar registada nos anais (com os vários sentidos que a palavra tenha). O diálogo seguinte, entre Nicolau Breyner e Soraia Chaves no bar de um hotel de luxo, fica como brinde para quem aguentou ler isto tudo até ao fim. Bem-hajam.

Soraia: Estou sem cuecas.

Nicolau: És uma marota.

Soraia: Nem imaginas. Mas ainda há mais.

Nicolau: Mais?

Soraia: Mais. Estou morta por te chupar. Aposto que já estás bem duro para mim. Queres-me foder, não queres? Diz que me queres foder.

Nicolau: Quero. Muito.

Soraia: Não. Quero que digas alto. Quero foder-te toda, Vicky, por favor.

Nicolau: Eu quero foder-te toda, Vicky, por favor.

Soraia: Vem ter comigo daqui a cinco minutos. Ah. Espero que já tenhas percebido, querido. Eu sou uma puta. Cara. Se precisares de levantar dinheiro, tens um Multibanco mesmo à porta.

Classificação: http://inepcia.com/cinemateca/olho0b.gif

Call Girl

De: António-Pedro Vasconcelos

Com: Soraia Chaves, Ivo Canelas, Nicolau Breyner

Origem: http://inepcia.com/cinemateca/pt.gif Ano: 2007

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